domingo, 18 de outubro de 2009

MOSCAS AUSENTES

Póstumas
As lágrimas transformaram-se em orvalho na noite.
Acordam-me de meu novo sono.

A lembrança sem mais rugas
Ou anjos vindouros e aniversários ...
São propostas eloqüentes e ríspidas.

Volto. Ou talvez ficarei
ou já tenha ficado à casualidade de moscas ausentes
Arqueado.
Cotovelos arcaicos nas mesas dos bares.
Fadado ao esquecimento.
(p15/08/94)

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O PENSAMENTO (pub. no O Bardo #5)



Este é o reino que impero
Em castelos erguidos de paralelos de ilusões
Aqui busco, e encontro sempre,
Legítimas e apreciadas formas

Dão-se perfeitas e puras
Pois assim nascem
Não como filhos, rebentos
Mas como pedras que jorram em feldspatos incandescentes

Surgem, abalando a semântica
Rompem todas as barreiras
Queimam e depois esfriam
E assim para sempre permanecem
Imutáveis, intocáveis

Neste claríssimo mundo
Encontro os gestos verbais
De meus mais secretos signos

Permitem jogar sem regras
Sem tática, sem lógica, apenas a parição
Em desdobros de eras sazonais
Na pretensão galhofa de grafar meu julgo.

(Paulo Ferreira - 29/06/1998)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A Obsessão do Sangue (Augusto dos Anjos) - atendendo a pedidos ...





Acordou, vendo sangue... Horrível! O osso

Frontal em fogo... Ia talvez morrer,

Disse. Olhou-se no espelho. Era tão moço,

Ah! Certamente não podia ser!



Levantou-se. E, eis que viu, antes do almoço,

Na mão dos açougueiros, a escorrer

Fita rubra de sangue muito grosso,

A carne que ele havia de comer!



No inferno da visão alucinada,

Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,

Viu vísceras vermelhas pelo chão...



E amou, com um berro bárbaro de gozo,

O monocromatismo monstruoso

Daquela universal vermelhidão!

(Outras Poesias, 44)





Augusto dos Anjos nasceu no engenho Pau d'Arco, no município de Cruz do Espírito Santo, estado da Paraíba. Foi educado nas primeiras letras pelo pai e estudou no Liceu Paraibano, onde viria a ser professor em 1908. Precoce poeta brasileiro, compôs os primeiros versos aos 7 anos de idade.

Em 1903, ingressou no curso de Direito na Faculdade de Direito do Recife, bacharelando-se em 1907. Em 1910 casa-se com Ester Filiado. Seu em contato com a leitura, iria influenciar muito na construção de sua dialética poética e visão de mundo.

Com a obra de Herbert Spencer, teria aprendido a incapacidade de se conhecer a essência das coisas e compreendido a evolução da natureza e da humanidade. De Ernst Haeckel, teria absorvido o conceito da monera como princípio da vida, e de que a morte e a vida são um puro fato químico. Arthur Schopenhauer o teria inspirado a perceber que o aniquilamento da vontade própria seria a única saída para o ser humano. E da Bíblia Sagrada ao qual, também, não contestava sua essência espiritualística, usando-a para contrapor, de forma poeticamente agressiva, os pensamentos remanescentes, em principal os ideais iluministas/materialistas que, endeusando-se, surgiriam na sua época.

Essa filosofia, fora do contexto europeu em que nascera, para Augusto dos Anjos seria a demonstração da realidade que via ao seu redor, com a crise de um modo de produção pré-materialista, proprietários falindo e ex-escravos na miséria. O mundo seria representado por ele, então, como repleto dessa tragédia, cada ser vivenciando-a no nascimento e na morte.

Dedicou-se ao magistério, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde foi professor em vários estabelecimentos de ensino. Faleceu em 12 de novembro de 1914, às 4 horas da madrugada, aos 30 anos, em Leopoldina, Minas Gerais, onde era diretor de um grupo escolar. A causa de sua morte foi a pneumonia.

Durante sua vida, publicou vários poemas em periódicos, o primeiro, Saudade, em 1900. Em 1912, publicou seu livro único de poemas, Eu. Após sua morte, seu amigo Órris Soares organizaria uma edição chamada Eu e Outras Poesias, incluindo poemas até então não publicados pelo autor.